ABECEDÁRIO DA DESCOLONIZAÇÃO
ISSN: 2764-9393
ISSN: 2764-9393
I
O conceito de interculturalidade surge na América Latina associado ao contexto educacional indígena. Na década de 1970, Mosonyi e González, dois linguistas e antropólogos venezuelanos, aplicaram o conceito para descrever suas experiências com os indígenas arhuacos, da região do Rio Negro.
Contudo, a interculturalidade também pode se referir ao projeto alternativo de caráter ético, ontológico, epistêmico e político, alinhado ao surgimento de sociedades democráticas que proponham alternativas ao caráter monocultural e ocidentalizante imperante na maior parte dos países da América Latina.
A intelectual estadunidense Catherine Walsh, conhecida como "pedagoga da decolonialidade", considera a diferença colonial como locus privilegiado para a construção de uma lógica contra hegemônica intercultural, capaz de transgredir as fronteiras da subalternização e de desmantelar a suposta universalidade do conhecimento ocidental. Para Walsh, a interculturalidade é uma forma de pensamento que ao mesmo tempo se relaciona e se opõe à modernidade/colonialidade, visando à construção de um novo espaço epistemológico fundado na negociação e no diálogo, mas não na homogeneidade. A interculturalidade é um outro paradigma, que questiona e modifica a colonialidade do poder ao tornar visível a diferença colonial; é um caminho para pensar novos mundos a partir de um "posicionamento crítico fronteiriço".
Nesse sentido, a interculturalidade representa uma lógica epistêmica construída a partir do lugar de enunciação da diferença colonial: ao mesmo tempo em que torna visível essa diferença, modifica a colonialidade do poder. Através do conhecimento dominante, gera-se um "outro" conhecimento, descolonizado. Difere-se em muitos aspectos do multiculturalismo, atrelado à ideia de uma diversidade de representações subjetivas e parciais que incidem sobre uma natureza una e total. Ao pressupor uma geopolítica do conhecimento que tende a obscurecer a diversidade e a impor um sentido "universal", o multiculturalismo reproduz a lógica da dominação colonial e os interesses hegemônicos. Enquanto o multiculturalismo é postulado por um Estado que reproduz a lógica neoliberal e o colonialismo interno, a interculturalidade relaciona-se a um Estado que reconhece a diferença colonial (ética, política e epistêmica) e questiona os paradigmas e estruturas dominantes.
Em suma, para Catherine Walsh, a interculturalidade significa: um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condição de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade; um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas e as relações e os conflitos de poder da sociedade não se mantêm ocultos, mas sim são reconhecidos e confrontados; uma tarefa social e política que se dirige ao conjunto da sociedade em busca da criação de modos de responsabilidade e solidariedade. A interculturalidade é, ao fim e ao cabo, uma meta a alcançar.
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Data de Publicação: 19/01/2023
Autoria: Alessandra Gonzalez de Carvalho Seixlack
Bibliografia
WALSH, Catherine. "Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento "otro" desde la diferencia colonial". In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (editores). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007, pp.47-62.
WALSH, Catherine (ed.). Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Quito: Ediciones Abya Yala, 2013.
Como citar este verbete:
SEIXLACK, Alessandra Gonzalez de Carvalho. "Interculturalidade". In: Abecedário da Descolonização. Vol.1 2023. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de História. Disponível em: https://www.descolonizandoconhecimentouerj.com/in%C3%ADcio/revista-on-line-abced%C3%A1rio-da-descoloniza%C3%A7%C3%A3o/arquivo/i-j-k-l
ISSN 2764-9393
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Invenção da cultura foi um conceito desenvolvido em meados da década de 1970 pelo antropólogo estadunidense Roy Wagner em seu livro A Invenção da Cultura. Apesar de ter demorado um pouco mais de três décadas para a tradução do livro para o português, o conceito de invenção da cultura, sem dúvidas, influenciou toda uma geração de antropólogos não só nos Estados Unidos e na Europa, mas também no Brasil. Sendo assim, a ideia da invenção da cultura passa a ser fundamental para discutir conceitos antropológicos.
Em primeiro lugar, para compreendermos esse conceito devemos perceber que é um dever do antropólogo não hierarquizar as culturas. Sendo assim, ele não deve achar que a sua cultura é a “correta”, mas sim que é apenas uma cultura outra, como qualquer cultura que ele possa conhecer e estudar ao longo de sua vida. A partir disso, ele deve ter consciência de que inventa a cultura, na medida em que percebe outra cultura a partir dos conceitos já definidos da sua própria cultura. Dessa forma, um antropólogo estuda outras culturas a partir das diferenças e semelhanças que ele percebe com a sua própria cultura e, como consequência, começa a traçar paralelos entre esses dois universos. Isto posto, podemos notar que, para Roy Wagner, a ideia de cultura não é algo fixo, inflexível e engessado, pois o autor considera a cultura apenas como uma “muleta” para o antropólogo.
Portanto, é função do antropólogo inventar a cultura para poder fazer uma comparação de um campo de estudo com a sua realidade e assim perceber as diferenças culturais existentes entre esses dois mundos. Essa invenção é feita a partir do estudo de uma outra cultura e da comparação ativa entre dois mundos, sendo um deles o mundo do próprio antropólogo que representaria sua cultura e o outro mundo inventado para representar a cultura que está sendo estudada. Não podemos deixar de destacar que esse processo ocorre de maneira concomitante entre antropólogo e nativo. Com isso fica claro que ambos estão fazendo esse processo de estudo e invenção de cultura. Por isso, Wagner também propõe o conceito de antropologia reversa, a antropologia que reconhece a reflexividade dos outros, isto é, a capacidade analítica das pessoas estudadas. Nesse sentido, considera que os povos estudados refletem sobre a cultura do antropólogo, mas o fazem em seus próprios termos.
Em resumo, o conceito de invenção da cultura, elaborado pelo antropólogo estadunidense Roy Wagner, foi essencial para a construção do debate antropológico de toda uma geração de pesquisadores, os quais foram influenciados por esse conceito desenvolvido em 1975. Essa invenção da cultura consiste em um processo ativo, no qual tanto o antropólogo quanto o nativo fazem a invenção da sua própria cultura e da cultura do outro ao se relacionarem com tradições e costumes de um mundo diferente do seu.
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Data de Publicação: 27/06/2023
Autoria: Marcos Gabriel Pita da Costa
Bibliografia
WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Editora Ubu, 2017.
Como citar este verbete:
COSTA, Marcos Gabriel Pita da. "Invenção da Cultura". In: Abecedário da Descolonização. Vol.1 2023. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de História. Disponível em: https://www.descolonizandoconhecimentouerj.com/in%C3%ADcio/revista-on-line-abced%C3%A1rio-da-descoloniza%C3%A7%C3%A3o/arquivo/i-j-k-l
ISSN 2764-9393
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