ABECEDÁRIO DA DESCOLONIZAÇÃO
ISSN: 2764-9393
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O conceito de outsider within foi utilizado pela socióloga e pesquisadora do feminismo negro Patricia Hill Collins em seu artigo “Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro”, originalmente escrito em 1986 como “Learning from the outsider within: the sociological significance of black feminist thought”. Outsider within refere-se, em tradução livre, a mulheres (em especial mulheres negras) que, mesmo inseridas dentro dos espaços acadêmicos e/ou espaços de sociabilidade pertencentes à classe dominante, mantêm-se excluídas por conta da sua condição social e racial.
O conceito de outsider within pontua que mulheres negras têm um ponto de vista especial sobre seu pertencimento em relação à família e à sociedade. No entanto, é necessário compreender que existem benefícios que a posição de outsider within proporciona em relação aos insiders que, acostumados àquele estilo de vida e modo de pensar desde o nascimento, não têm a capacidade de enxergar para além dos limites de sua própria bolha. Estando a mulher negra inserida em diversos ambientes, e por que não dizer em diversas “bolhas” sociais, ela possui a capacidade de enxergar a partir de múltiplas lentes, enriquecendo o processo científico e o discurso sociológico.
Enquanto os insiders, ou seja, aqueles já inseridos em e pertencentes à uma academia notadamente branca, masculina e elitista, têm de forma quase que orgânica as mesmas referências, os mesmo apontamentos e a mesma forma de pensar e enxergar o mundo, a outsider within transita dentro do ambiente formal da academia e fora, onde outras realidades acontecem. Ela é considerada uma intelectual marginal, podendo assim questionar os modelos epistemológicos e ontológicos tidos como verdades concretas e universais engendrados por um grupo hegemônico.
Uma outsider within pode se deparar com diversas anomalias (COLLINS, 2016, p.119) no pensamento sociológico que acabam por reforçar estereótipos inclusive sobre as mulheres negras que constituem o imaginário dos insiders. O esforço de se fazer presente no meio acadêmico trazendo novas informações não consensuais entre os sociólogos brancos tende a tornar-se exaustivo, uma vez que ser um outsider within é ser modificado pelo seu status de pessoa à margem do processo de produção intelectual/científica predominante ao mesmo tempo que inserida nele. Tanto enriquece a pesquisa como pode se sentir confrontada ao perceber certas afirmações e percepções da realidade que não condizem com suas próprias experiências dentro da mesma realidade.
Um dos caminhos que a outsider within pode tomar em relação à essas questões é tentar introduzir-se totalmente dentro do modo de pensamento dos insiders (o que é muito difícil, uma vez que as anomalias propagadas por eles chocam-se com o conhecimento empírico vivido diariamente pelas outsiders within). Outro caminho é tornar-se uma outsider, ou seja, abandonar a academia mesmo após ser perpassada pelos conceitos e aprendizados vividos na sociedade acadêmica. Uma outra possibilidade, ainda mais vantajosa para o conhecimento científico, é utilizar a tensão criativa que existe na posição de outsider within para legitimar e institucionalizar suas perspectivas de modo a contribuir de maneira mais plural a um processo de desenvolvimento científico que não esteja preso às fórmulas de se pensar a vida advindas da comunidade acadêmica hegemônica, mas como forma de repensar essas fórmulas sempre que possível.
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Data de Publicação: 01/08/2023
Autoria: Juliana de Souza Santos (integrante do Projeto Prodocência HistoriDelas)
Bibliografia
HILL COLLINS, Patricia. "Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro", Revista Sociedade e Estado – Volume 31 Número 1 Janeiro/Abril 2016, p.99-127.
Como citar este verbete:
SANTOS, Juliana de Souza. "Outsider Within". In: Abecedário da Descolonização. Vol.1 2023. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de História. Disponível em: https://www.descolonizandoconhecimentouerj.com/in%C3%ADcio/revista-on-line-abced%C3%A1rio-da-descoloniza%C3%A7%C3%A3o/arquivo/m-n-o-p .
ISSN 2764-9393
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O perspectivismo ameríndio é um conceito desenvolvido pelo antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro e pela etnóloga Tânia Stolze Lima. Ele se baseia na ideia de que parte das sociedades indígenas da América possuem uma cosmogonia distinta da ocidental, na qual o mundo é visto a partir de múltiplas perspectivas.
Partindo deste pressuposto, as diferentes formas de vida (animais, plantas, humanos, etc.) não são encaradas como categorias fixas e separadas, mas sim como perspectivas diferentes de uma mesma realidade. Diante disso, muitas populações indígenas acreditam que existe uma troca constante de perspectivas entre os seres vivos e, por isso, cada um pode se transformar em outra forma de vida. Com a concepção de que todos possuem uma alma, é possível transitar entre mundos.
Além disso, o perspectivismo ameríndio destaca a importância da relação entre as sociedades indígenas e a natureza, na qual todos os seres vivos são vistos como participantes de uma mesma rede de interações. Natureza e cultura não são opostos irreconciliáveis, mas partes de um mesmo processo, que faz com que cada indivíduo seja um universo em si mesmo e, ao mesmo tempo, parte constituinte de universos que convergem. Entretanto, esta convergência não é, necessariamente, harmônica. O conflito é admitido como integrante da teia que compõe as interações sociais.
O homem, portanto, não é visto como o centro do universo, mas um participante igual a todos os outros animais, em contraponto ao perspectivismo ocidental, onde a realidade é apenas uma, porém observada a partir de diferentes pontos de vista. Na concepção dos povos ameríndios, a realidade pode assumir inúmeras facetas, constituindo múltiplas historicidades.
Sendo assim, é possível reconhecer que todo indivíduo é um agente histórico, não apenas um objeto de estudo, incapaz de produzir e partilhar conhecimento. Ao fim e ao cabo, o perspectivismo ameríndio é uma concepção alternativa da realidade, ao admitir realidades coexistentes, destacando a integração entre o ser humano e a natureza, baseando-se em uma ontologia própria.
Aqui estão alguns exemplos de como o perspectivismo ameríndio pode ser observado na prática:
Transformação de seres vivos: em muitas culturas indígenas, as pessoas acreditam que é possível reconhecer a subjetividade dos outros seres, como animais, plantas ou mesmo objetos. Em algumas tradições, o xamã pode assumir o ponto de vista de um animal para obter informações e realizar tarefas que seriam impossíveis como humano, pois exerce o papel diplomático de transitar entre mundos sem ter sua alma capturada permanentemente por outra perspectiva. Em vez de um líder coercitivo, o xamã assume a responsabilidade de ser o único capaz de negociar o resgate das almas. Davi Kopenawa, líder espiritual yanomami, conta como já adoeceu por ter sido capturado pelas imagens dos queixadas que caçou na floresta. Foi um xamã que o resgatou e, a partir deste contato, sua jornada no xamanismo foi iniciada.
Relações entre seres vivos: a integração mencionada anteriormente pode ser observada através das relações de amizade e parentesco entre humanos, animais, plantas e até mesmo objetos, sendo ligações profundas, que se perpetuam por gerações, tratadas com respeito e cuidado.
Comunicação entre seres vivos: muitas culturas indígenas acreditam que todos os seres vivos podem se comunicar uns com os outros, mesmo que esta comunicação não seja compreendida pelos humanos. Em algumas tradições xamânicas, os animais são vistos como fontes de sabedoria e conselhos, sendo consultados para ajudar na tomada de decisões.
Relações de poder: o poder é visto como sendo distribuído de forma relativa entre os seres vivos, e não como algo concentrado em uma única entidade ou grupo.
Interdependência dos seres vivos: o perspectivismo ameríndio destaca a importância da interdependência entre todos os seres vivos. A saúde e o bem-estar de cada entidade depende da saúde e do bem-estar de todas as outras.
Essas são apenas algumas das muitas nuances do perspectivismo ameríndio. É de suma importância destacar que essa teoria se aplica às culturas indígenas da América, mas as interpretações podem variar de acordo com a sociedade e tradição específicas.
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Data de Publicação: 25/04/2023
Autoria: Ana Paula Alvarez Ribeiro Lopes, Bernardo Barreto Mattos e Lucas Pereira Arruda
Bibliografia
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: Ubu Editora, n-1 edições, 2018.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
Como citar este verbete:
LOPES, Ana Paula Alvarez Ribeiro; MATTOS, Bernardo Barreto; ARRUDA, Lucas Pereira. Ano. "Perspectivismo ameríndio". In: Abecedário da Descolonização. Vol.1 2023. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de História. Disponível em: https://www.descolonizandoconhecimentouerj.com/in%C3%ADcio/revista-on-line-abced%C3%A1rio-da-descoloniza%C3%A7%C3%A3o/arquivo/m-n-o-p
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